Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
ontem recusei-me a ver notícias depois do almoço.
sinceramente uma pessoa deixa de conseguir aguentar o bombardeamento diário de más notícias. há um nível que se consegue absorver, depois deixa de ser possível sobretudo quando a única ação a tomar é sentar-nos e esperar.
não consigo mais com o bombardeamento de coisas más.
há uma qualquer morbidez doentia do universo que nos atira à cara, constantemente, mortos, feridos, doentes, fome, crise, gente com medo, gente com muito medo, gente a morrer de medo.
e há um limite para o que conseguimos assimilar até o cérebro desligar por pura proteção.
cada um se queixa do que sente e do que lhe dói.
e todas as queixas são válidas. não há umas mais válidas do que outras porque só quem está no convento sabe o que lá vai dentro e, neste momento, estamos todos lá enfiados, proibidos de sair num voto de isolamento qualquer.
e a maioria de nós não sabe ou não quer rezar.
é isto.
não vi notícias.
estamos todos pendentes, numa espera qualquer que nos vai levar a algum lado ainda que o lado, visto rudemente, pareça a bancarrota.
mas não pode ser de outra forma, porque o outro lado é a morte. e morrer é fodido, já sabemos. da bancarrota podemos erguer-nos, já da morte, meu amigos, nem para quem acredita em deus há salvação.
em alturas de páscoa, só um ressuscita e foi só uma vez.
apetecia-me gritar muito alto.
temos tendência a querer culpar e/ou ser o outro porque não sabemos fazer de outra maneira.
quem trabalha quer ficar em casa, quem está em casa quer ir trabalhar.
quem vai passear o cão queria ir às compras, quem vai às compras queria estar em casa, quem está em casa queria ir passear o cão.
todos opinam porque, sejamos francos, não há mais nada a fazer.
já se fez pão, já se fez bolos, já se desenharam arco-íris. já vimos diretos no instagram (há mais diretos do que gente para os ver), já vimos o rodrigo guedes de carvalho a falar grosso e dar sermão. já vimos o bento rodrigues a quase implorar-nos para ficar em casa. já limpamos e desarrumamos a casa. já saímos com e sem máscara. já dormimos tudo o que estava em falta ou não dormimos nada. já fizemos tudo e não resta grande coisa a não ser opinar.
isso e rezar.
e engordar.
ou emagrecer se for o caso de não haver dinheiro para comprar comida.
opinamos porque caso contrário morremos sufocados.
e portanto, a culpa é do governo, a culpa é da china, a culpa é do vizinho, a culpa é dos cães, a culpa é dos velhos, a culpa é nossa.
e já ninguém aguenta com esta merda porque não fomos ensinados a aguentar tal coisa.
e ninguém aprende como viver numa pandemia de uma quarta para uma sexta. é impossível.
não sei como é que se estão a aguentar desse lado.
espero que minimamente bem.
que não percam a sanidade mental ou a perspetiva. que não caiam na angústia de sentir que isto é para sempre porque não é.
ou que achem que daqui a uma semana está tudo resolvido porque não está.
espero que não romantizem esta merda.
não tem nada de romântico. nem de bom. que não se encham de ideias que é fixe para o crescimento pessoal, para aprenderem a ser melhores ou para valorizarem um cu limpo.
isto não é romântico, nem belo, nem tem assim tanta coisa positiva.
mas para sobreviver, que é disso que se trata, é importante que não nos afundemos em considerações de horror. é importante que ainda sejamos nós e que, para isso, tenhamos a capacidade de ver uma coisa bonita, sentir algo que nos faz bem ou soltar uma gargalhada.
porque quando isto acabar - e vai acabar - temos de continuar na vida. os que estiverem vivos, claro está.
temos de erguer as mangas e prosseguir.
temos de sair das nossas casas, outra vez, e enfrentar o trânsito, o desemprego, a necessidade de não desistir e viver de cabeça erguida.
já o fizemos antes. vamos fazê-lo depois.
até lá precisamos de três coisas:
façamos para isso o que precisarmos, dentro das contingências que temos.
eu estou aqui para algum de vós, se vos puder ajudar.