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não me apetece nada fazer aulas de preparação para o parto.
tem sido motivo de discórdia entre mim, o rapaz e a mamã que insistem no quão seria bom frequentar algumas.
no entanto, a minha vontade é nula.
sinto quase repulsa na ideia de me sentar numa sala, com não sei mais quantas grávidas, muito lustrosas e felizes, a falar de nomes e roupas e ouvir alguém dizer-me que devo abraçar a dor, que se não controlar o esfíncter no dia do parto não tem mal nenhum e que é tudo muito bonito e agradável.
não é nada.
a sério.
de bonito não tem absolutamente nada e a prova disso é que depois de uns três meses de lua de mel com a situação, estou novamente a sentir as mudanças súbitas de humor, a incapacidade de lidar com a situação e a antever cenários atrozes de sangrias, pernas abertas, cortes em sítios onde não é suposto haver cortes, cocós, algálias e profissionais de saúde a contar à noite, em casa, da cena triste da pobre mãe que se cagou todinha a dar à luz.
bem sei. uma grávida não devia dizer "cagou". muito menos escrever. toda ela deve ser serenidade, calmaria, voz suave, mão na barriga, paz, amor e sintonia, vestidos vaporosos e bebés rechonchudos que nunca choram e são a melhor coisinha que o universo fez.
a questão é que me recuso a ir a tais aulas.
provavelmente quanto menos souber do assunto melhor, no sentido em que é mais fácil dominar o cérebro nos cenários que me cria todas as noites antes de dormir.
estou zangada.
zangada com o fato de não ter aceite - quando me foi proposto - recorrer ao privado e fazer uma cesariana com marcação prévia, acabando-se dessa forma a gritaria, as injeções nas costas (deve lá haver coisa mais agradável do que enfiarem uma agulha no meio da coluna), o não saber quando é que preciso de me transformar num pito de churrasco.
chateada com as dores nas costas que começam a aumentar, as mudanças súbitas de humor e as insónias.
zangada com a situação em que deliberadamente me coloquei apesar de já ter previsto tudo isto.
e se já é mau estar zangada sozinha, sem ter de ouvir ninguém em sorrisinhos constantes a falar de cueiros, cólicas, choros e dentes, não consigo imaginar quão mau será estar acompanhada por 15 ou 16 grávidas que nunca vi, numa sala, a ouvir sobre o que aí vem e que é tão magnífico.
há uns tempos, numa insónia deplorável, dei comigo a ler histórias tristes:
mulheres que dormiram uma hora noite durante meses, putos complicados que não paravam de chorar, casamentos que acabaram depois do nascimento dos filhos.
mulheres que tiveram um pontinho a mais na vagina, dado por um médico maroto, para satisfação dos maridos.
mulheres muito orgulhosas de ter ultrapassado mamilos estraçalhados, gretados e cheios de sangue mas a servirem para a sua - pelos vistos única - função natural.
mulheres que morreram no meio de uma marquesa, de perninha aberta e que a última coisa que viram do mundo foi um quarto de hospital depois de nove meses de dores de costas e enjoos.
mulheres que nunca amaram os filhos e os transformaram em adultos infelizes.
mulheres que deram cabo da vida com a decisão de aumentar a natalidade do planeta, já por si cheiinho de gente a transbordar.
não devia ter lido nada disto, bem sei.
sou perfeitamente capaz de idealizar todos os cenários sem precisar de exemplos. se tiver esta ajudinha então o meu cérebro dá pulinhos de alegria e é um ver se te avias de situação bonitas.
sabem aquelas pessoas que não podem ouvir ninguém queixar-se de uma qualquer doença, que espetam nas trombas do interlocutor as suas próprias maleitas, muito piores? do género:
- eh pá, ando aqui com uma dor de estômago...
- ai nem me fale que eu há mais de quinze dias que não faço outra coisa que não seja beber água. não aguento mais nada. na-di-nha. se como qualquer coisinha são vómitos de jacto.
ou:
- olhe, caí e desloquei um pé...
- pois saiba o vizinho que tem muita sorte. eu estava sentada no sofá e ao levantar-me, mesmo sem cair, parti uma perna, o cóxis e a bacia.
o meu cérebro é isso. é o típico:
- o quê? pode doer um bocadinho? a ti vai ser traumático.
- o quê? há quem não controle o esfíncter? tu vais ter a maior diarreia da história da maternidade.
- o quê? há mães que não gostam dos filhos? tu, provavelmente, vais ser a fundadora da religião que vai apregoar tal.
e afins.
portanto, não, não vou frequentar aulas de preparação para o parto.
mesmo que a mamã e o rapaz insistam cada vez mais e eu tenha, como única resposta, grandes revirares de olhos (qualquer dias arrisco-me a deslocar os dois de lugar) e um encolher de ombros.
estou estropiada das costas, estive três meses de cama, vomitei como uma fonte, estou a pontos de ver os meus mamilos transformarem-se em bocais de garrafas pelo que me julgo no direito de decidir sobre não passar tempo a ouvir sobre o mundo maravilhoso da gravidez, de como a dor faz parte, e outras coisas agradáveis por parte de gente que não conheço, nunca vi e não me apetece conhecer.
santa paciência, mas não.
se não morrer no parto logo aprendo.