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a sala onde trabalho é toda envidraçada numa das paredes.
exactamente a parede virada para o jardim. há uma vista esplendorosa para as árvores e relva e costumo perder algum tempo a ver os pássaros em bandos no céu.
em dias de sol somos obrigados a puxar umas cortinas fixas, sobretudo quando o sol nos bate na cara. no entanto, em dias como o de hoje, em que há um pequeno dilúvio, tal não é preciso e podemos apreciar a chuva quase como se a sentíssemos.
habituo-me aos poucos aos ritmos disto e vou travando conhecimentos com o pessoal, muito ao de leve, não mais do que a minha inabilidade social permite.
às vezes cometo gaffes gigantescas.
na semana passada, por exemplo, tive uma longa conversa com a empregada de limpeza, uma miúda que fala muito e pelos cotovelos. em duas penadas só tirei-lhe a pinta e deixei-a falar, acenando com a cabeça, que não é das que permite resposta. nos espaços comuns tudo brilha, dentro dos gabinetes e das salas está uma miséria. a minha secretária tem, por exemplo, toalhitas de limpeza nas gavetas e um spray de lixívia que trouxe de casa para fazer face ao que se vai acumulando.
o problema foi quando me disse, muito singelamente, que tinha tempos mortos, que não havia nada para fazer. sugeri-lhe também, muito singelamente, que limpasse os vidros e os armários. só percebi a gaffe quando vi a cara dela.
as pessoas não querem respostas, querem só desabafar.
o meu colega de sala fala baixinho e muito rápido. no início estava sempre a pedir-lhe que repetisse, convencida que os meus ouvidos estavam nas últimas. depois percebi que era mesmo um problema dele.
ou isso ou tenho de ir à mini som experimentar um aparelho.
hoje de manhã dei de caras com um senhor na recepção, sentado como quem se prepara para estar o dia inteiro. perguntei, na hora do café, quem era ao segurança.
parece que vem vigiar a mulher, disse-me por entre o canto dos lábios, que está num dos andares em formação. já esteve aí na semana passada e ia-lhe dando um soco quando a viu falar com um colega.
e ninguém fez nada? perguntei escandalizada.
que sim, que ameaçaram chamar a polícia. e que ele se riu, dizendo que o fizessem. mais um menos um, a polícia até já o conhece.
há bocado, quando fui à casa de banho, estava sentado de perna traçada, num dos sofás, de jornal em riste e cigarro no canto da orelha.
olhou-me descaradamente e abriu a boca num sorriso desdentado.
se não fosse mais uma gaffe descomunal dava-lhe um chapadão nas trombas.