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às vezes percebo que não consigo chorar.
é raro mas acontece. há um aperto apertado apertadíssimo no peito, na garganta, nos olhos, nos dedos enquanto extensão de sentimentos, e não consigo chorar. seca de lágrimas. repleta de sentimentos corrosivos, que queimam num constante loop, numa constante ebulição.
queimo sem queimar.
o mal de não conseguir chorar é que sem o pranto impulsivo de cinco ou dez minutos não há, inevitavelmente, a bonança após a tempestade e a sensação de perda de norte intensifica-se durante muito tempo.
sei que a maioria das pessoas não sobrevive desta forma, numa constante procura de qualquer coisa, numa constante insatisfação, num constante desconhecimento, numa constante incerteza, numa constante incapacidade de ser. a maioria das pessoas vive. arranja uma série de refúgios, subterfúgios, coisitas que permitem a continuação de cada amanhecer.
eu não consigo e galgo as horas como um rafeiro perdido e carracento, que morde quem lhe dá comida e abana o rabo à ideia de algo que parece brilhar mas é pechebeque em vez de ouro. galgo as horas como uma espécie de abutre na espera dos restos que me possam acalentar os minutos.
a minha constante insatisfação diária é legendária e demonstra o ponto em que me encontro, o que sou e o que tenho. e em minutos em que não consigo chorar o meu azedume gritante berra em prantos que chega de ser.
estou tão cansada.
e quem não está? repete-me o reflexo ao espelho.
quem não está?