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está sol como tem estado sol nos últimos meses da nossa vida.
o tempo é quente e nublado de um fumo amarelado que se cola à pele e aos ossos e à alma.
ouço ludovico einaudi, faço pausas que não terminam e passarico pelo espaço numa falta de produtividade gritante.
as coisas a fazer aumentam.
olho a lista e encolho os ombros como se a vida e o que sinto e o tédio existencial tivessem mais força do que qualquer necessidade de trabalho. estou feita numa burguesa é o que é.
tomo café encostada à varanda, os olhos franzidos pela claridade doente do dia. os cedros continuam erguidos numa mansidão de eternidade. há um seco, mesmo no meio dos outros e que ali permanece desde que cá cheguei.
morto mas erguido ou moribundo mas digno, sei lá.
pondero sair.
sentar-me numa pastelaria e ouvir o ruído das chávenas, da porcelana e o cheiro do café. abrir o jornal na mesa, olhar de soslaio as outras pessoas. dizer bom dia só para ouvir a minha voz. mas fico. há tanto trabalho acumulado que certos prazeres, ou necessidades, precisam invariavelmente de ficar para segundo plano.
o cão do vizinho late, de vez em quando, numa espécie de ganido solitário. ao longe ouço o som de um motosserra e viajo, imediamente, até à serra. vejo as videiras já sem uvas, a erva molhada da neblina matinal que a avó apanhava com uma foicinha. ouço, na beira do rio, o som de uma ou dois motosseras a desbravar árvores. sinto as enxadas a abrir a terra e vejo o avô, que já não vê, a limpar a fronte do suor enquanto se queixa da falta de água. sorri-me e tem mil rugas do tempo e da vida. estende as mãos e aperta a minha num amor de bondade e família.
está mesmo não estando.
como o cedro erguido em frente à minha varanda.
tenho saudades tuas.
está sol como tem estado sol nos últimos meses da nossa vida.
e eu dava tudo para uma manhã de chuva.
que não fossem as minhas lágrimas.