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então é assim: preparem os lenços, dêem vivas, soltem hurras, engulam as lágrimas:
vou morrer.
sendo menos melodramática: tenho altas probabilidades de morrer, finar-me, bater a bota, ir desta para melhor, partir, desaparecer num futuro breve, breve, muito breve.
explico, levem-me a sério:
em resumo:
é altamente provável que morra de hemorragia, e fique sequinha, sequinha, sem sangue algum, pálida e feia.
depois:
em resumo - que isto nestas coisas a gente nunca sabe e os melhores são os que têm mais azar:
posso ter uma daquelas coisas antipáticas e ruins na boca e morrer disso.
(ou ficar muda, meu deus, muda!
já pensaram nisso? como raio vou ensinar ao rapaz linguagem gestual?
como raio vou eu aprender??????)
por fim:
em resumo:
há uma grande probabilidade que seja atropelada, estropiada, ou outra coisa acabada em ada por um radical qualquer que me transforme numa das setenta virgens de alá.
isso ou uma queda livre do avião, algo bastante usual - e até recomendável - segundo o may day, desastres aéreos.
pronto, é isto!
e sendo a morte certa, o que me tem ocupado enquanto seguro gelo nas trombas, é optar pela melhor, algo em que não me decido.
por outro lado:
pelo que, em suma, estou indecisa.
o que sei - com grandes certezas - é o que quero que conste na lápide, morra do que for, gravado a letras douradas:
aqui jaz maria joão por extenso, amiga extremosa, filha carinhosa e esposa fabulosa.
morreu a tentar salvar toda a sua família de um ataque de tubarões no ártico e os seus feitos serão para sempre cantados pelos trovadores modernos (menos o agir) numa versão em bom do "estou fazendo amor".
avé guerreira!
disse o padre, e na hipocondria também.
rapaz em sms:
* que andas a fazer?
eu:
* nada de jeito, porquê?
rapaz:
* estou a morrer.
tem pena de mim.
eu:
* estás a morrer de quê?
rapaz:
* acho que é o dente do siso. tenho a gengiva inflamada e agora dói-me a cabeça.
eu:
mas...
rapaz:
* acho que é fatal.
PODES FICAR COM TUDO.
e ensina aos nossos filhos o valor dos jogos que lhes deixo.
ou como o ser hipocondríaca me vai matar um dia #1
primeiro foi um ligeiro arrepio no corpo (um arrepio minha filha? é um espírito a passar por ti) e toda eu me encolhi, na certeza de que uma alma penada me analisava os pulmões.
depois veio a garganta: de um ardor levezinho passou para uma fogueira, ao género das da inquisição (com tanto fogo posso garantir que assava ali, à vontadinha, duas dúzias de bruxas).
depois a cabeça deu sinal de si em dores lancinantes.
para completar, antes de me deitar, o corpo cedeu e senti coisas que nunca havia sentido antes e que me puseram na cama a tiritar de frio, com suores esquisitos e a pesquisar, no médico da internet, que maleita era esta que me estava a condenar:
cancro das vias respiratórias ou tuberculose?
parece que afinal não.
dizem os entendidos que é só uma gripe. só. assim, com um ligeiro desprezo. como se uma gripe não tivesse dizimado gente aos milhares. como se uma gripe não nos desse vontade de enfiar a cabeça debaixo do colchão. como se uma gripe, só uma gripe, não nos desse uma produção de água - mal cheirosa - em excesso pelo corpo todo. não nos transformasse a lingua em cortiça. não conseguisse que fizessemos uma tal produção de ranho que poderíamos, sem problema algum, vendê-lo às litradas e ter o nosso próprio negócio.
só uma gripe.
só tremores, ardores, febres, mal estar, falta de apetite, dores e incapacidades.
só!
ora, ide apanhar dois valentes vírus, está bem?
eu não estou só gripada!
estou doente.
estou nas últimas.
estou praticamente a bater a bota sem ter realizado nada de útil, grandioso ou que valha a pena ser mostrado nesta vida.
sofro incomensuravelmente, com esta gripe demoníaca e ninguém me dá o devido crédito, assim, com o nariz quase em sangue, tosse por todo o lado e cuspe que se espalha no ar.
eu não estou só doente.
eu estou doente e só na minha dor.
tenham pena de mim, sim? e façam uma homenagem à minha pessoa na caixa de comentários!
na maior parte das vezes limitamo-nos a viver sem um plano b.
arriscamos tudo o que somos e temos em algo, sem pensar qual o plano caso a coisa corra mal.
pedimos empréstimo para uma casa sem pensar que podemos ficar desempregados, ou doentes, ou apaixonados pelo fulano ucraniano, que foge e rouba as nossas poupanças, e consequentemente não vamos conseguir pagar a mensalidade ficando o banco com a casa, carro e cuecas, vendidas a preço de saldo.
temos um segundo, ou mesmo o primeiro filho, dando por adquirido que teremos ao nosso lado, para sempre, a pessoa que escolhemos como pai ou mãe. evidentemente que nunca cogitamos que ele ou ela se podem envolver com o colega de trabalho, em sexo ardente, e nos vão abandonar com os putos nos braços, obrigando-nos a uma luta na justiça por uma pensão de alimentos de cento e cinquenta euros.
deixamos o nosso trabalho, pensando num outro melhor, sem colocar a hipótese da morte da pessoa que disse que nos apoiava, ao atravessar a passadeira, por um adolescente bêbado que roubou o carro ao pai.
damos sempre por adquirido que os nossos planos vão correr como os pensamos e andamos ignorantemente alegres até que a vida nos prega uma partida e ficamos a lamuriar-nos, questionando porquê nós, sem saber para onde ir, ou o que fazer.
e quando, como agora, falamos sobre o assunto, pensamos num plano b, chamam-nos arauto da desgraça, avançando sempre, com ar despreocupado, que o correcto é pensar nisso quando e se chegarmos a essa situação.
eu tenho um plano b para quase todas as hipóteses.
numa sensação de falsa segurança que a vida não me apanha na esquina, desprevenida, sem saber para onde me virar.
e é isso, seguramente, que me deixa dormir, ainda que com insónias.
pode não ser saudável, eu sei, mas não haverá banco ou atropelos ou pensões de cinquenta euros aos gritos no tribunal.
não são só os médicos que são hipocondríacos.
há, como eu, os hipocondríacos da vida.